Adriana Cotias
21 de nov. de 2019
Assim como os dividendos, o empréstimo traz dinheiro extra para aplicador com foco no longo prazo
Num momento em que a remuneração mais baixa da renda fixa tem empurrado o investidor para a bolsa, uma forma de obter retorno extra para quem tem perfil de longo prazo é “alugar” as ações da carteira. Assim como os dividendos (embora com uma lógica distinta), o empréstimo de papéis para outro investidor traz um adicional em dinheiro para a posição, acaba elevando a rentabilidade total da aplicação — junto com a valorização dos ativos.
Quem, por exemplo, tinha ações ordinárias (ON, com direito a voto) da empresa de alimentos Minerva no pregão do dia 18 e emprestou os papéis para outro investidor conseguiu uma remuneração média de 17,2% ao ano. Eletrobras ON teve contratos fechados a uma média de 5,5%; M.Dias Branco ON, a 5,38%; enquanto os negócios com JHSF ON saíram a 13,09%, e a unit da Renova Energia teve registro a 6,7% anuais, na média.
As transações de aluguel de ações acabam ocorrendo, na maior parte das vezes, à moda antiga, no mercado de balcão — quando as corretoras cruzam doadores (os donos das ações) com tomadores (aqueles que estão pegando os papéis emprestados) — ou fechados bilateralmente. Pelo volume não tão grande de negócios, e pela falta de uma tela de negociação ao vivo que registre cada aluguel, a diferença entre as taxas mínimas e máximas de empréstimo de um mesmo papel pode ser grande. Na ponta tomadora costumam estar tesourarias que combinam ativos para estruturar, por exemplo, operações de hedge ou estratégias que resultem num retorno de renda fixa, ou os gestores de recursos que fazem arbitragem (“long short”). Quando acreditam que uma ação tem razões para cair no pregão da B3, vendem as ações que tomaram emprestado sob a expectativa de recomprá-las mais baratas à frente para devolvê-las ao donos dos papéis. Se o script seguir como esperado, o lucro com a operação se converte em renda extra para o fundo. Na outra ponta, o gestor com perfil "de valor", que carrega as posições por muito tempo, por sua vez, pode colocar suas ações para alugar e o retorno obtido vira um ganho adicional para os seus cotistas. A pessoa física, que vem construindo uma carteira de ações para o longo prazo, também pode se valer do empréstimo para dar uma vitaminada nas suas posições. “O investidor novato em ações muitas vezes não tem a noção de que, ao contrário de outros bens, ele tem três maneiras de ganhar dinheiro na bolsa: com a apreciação do capital, o dividendo e o aluguel”, resume Andre Duvivier, da SL Tools, plataforma on-line dedicada ao segmento. O executivo compara a operação ao aluguel de um imóvel, com a diferença de que o caixa extra entra quando o contrato de empréstimo das ações é encerrado, muitas vezes em período inferior a um mês. “A soma dos cheques pode ser relevante em relação ao ‘dividend yield’ [o retorno com dividendos]”, afirma Duvivier. Conforme exemplifica, as ações ordinárias da Natura, alugadas por uma taxa média de 4,95% ao ano, representam 617,04% do dividendo esperado para os acionistas da empresa nos próximos 12 meses. Gol PN, a 4%, proporciona um retorno equivalente a 329,3% da projeção em dividendos em um ano. Nada mal para uma Selic em 5% ao ano. Duvivier cita ser fundamental ter transparência nas ofertas porque os preços do aluguel variam muito, algumas vezes relacionados a eventos, como foi o caso das ações da Eletrobras, que da noite para o dia passaram de 5% para 15% em meio aos reveses sobre a capitalização da estatal. Magazine Luiza, que chegou a apresentar taxa superior a 25% quando anunciou sua oferta subsequente de ações, voltou para a casa dos 5% nos registros do último dia 18. Se no passado era bastante comum encontrar remunerações de empréstimo de ações na casa dos dois dígitos, os valores mais módicos de hoje não deveriam inibir o investidor, diz Jerson Zanlorenzi, responsável pela mesa de ações e derivativos do BTG Pactual Digital. “Às vezes, a taxa está mais baixa, mas quando se olha a carteira como um todo há um grande valor”, afirma. Ele cita que dificilmente o investidor vai conseguir deixar a sua posição alugada o ano todo, mas se obtiver 0,50% ou 1% ao ano é algo relevante e que não resulta em ônus para quem emprestou, já que quem está doando os papéis não tem nenhum custo. Aluguel de Ações — Foto: Valor O executivo conta que o BTG criou há cerca de um ano e meio um serviço de custódia remunerada, em que automaticamente aluga as posições dos clientes que têm perfil de longo prazo e que aderem ao programa. Mais de 90% da base da plataforma digital está habilitada e há quem consiga ter um adicional de R$ 100 a R$ 200 por mês, que quando o ano vira se transformam em cerca de R$ 2 mil, diz Zanlorenzi. O sistema usado pelo banco tem como referência as taxas médias dos contratos registrados na véspera na B3, a mesma tela que o investidor enxerga quando consulta o site da bolsa.
Já é grande a presença do investidor individual, cita Wagner Andrade, analista de investimentos da corretora Terra. “A queda das taxas de aluguel nos últimos anos tem relação com a participação da pessoa física que se tornou bastante ativa”, afirma. “O aluguel é uma tremenda ferramenta de formação de preço e tem consequências econômicas. Quando se cria a possibilidade de outros players terem a disponibilidade de acesso, pode fazer com que os ativos espelhem o seu valor correto.”
Segundo dados da B3, compilados por Duvivier, da SL Tools, a pessoa física representava, ao fim de outubro, 17,9% dos doadores no mercado de aluguel, enquanto o institucional respondia por 51,12% e o estrangeiro, por 29,16%. Na ponta tomadora, os institucionais tinham 66,9%, enquanto o não residente ficava com 26,9%.
Zanlorenzi, do BTG, vê grande potencial de crescimento para o setor, mas diz que muitas vezes se depara com uma certa resistência do investidor que acha que ao alugar os papéis que tem em carteira vai atuar contra os seus ativos, ao dar munição para quem quer operar “vendido” (apostando na baixa) nas ações. “Tem que deixar claro que não vai ser por causa da ação dele que o gestor vai deixar de fazer a estratégia, ainda é preciso quebrar esse preconceito.” Quem empresta os ativos não deixa de receber eventuais proventos, como juros sobre o capital próprio ou dividendos distribuídos pela companhia emissora, mas não pode votar em assembleias de acionistas. ETF também aluga carteira A Itaú Asset Management tem uma mesa dedicada ao aluguel de ações e isso é particularmente útil na gestão do ETF (fundo de índice) de Ibovespa da instituição, diz Renato Eid, chefe de estratégia beta e integração ESG da gestora. Ele conta que, pelo regulamento, o ETF BOVV11 pode ter até 70% da carteiras de ações alugada e também um limite de 70% para cada papel que integra o portfólio. O resultado é que o ETF que em tese replicaria a performance do Ibovespa acaba tendo um desempenho até melhor, por conta da receita com os ativos que empresta. Mesmo com taxa de administração de 0,30% ao ano, em 12 meses o ETF proporcionou retorno 0,07 ponto percentual acima do Ibovespa, cita o executivo. “Ou seja, a expectativa de quem está acessando o mercado acionário [por meio do BOVV11] é ganhar na largada 0,07 ponto percentual, mais a remuneração que o Ibovespa der”, afirma. “Isso é um aprendizado. Com taxas [de juros] altas, seja nominal ou real, era outra coisa, você falava em 0,07, 0,10 ou 0,20 ponto percentual, e isso passava despercebido. Agora [com juros menores], cada vez mais é preciso atentar para o detalhe do investimento, buscar eficiência para o cliente.”
Eid explica que o investidor que tem o ETF em carteira também pode se valer da operação de empréstimo de duas formas: alugar as ações que compõem o fundo de índice ou as cotas do ETF. “O desafio é trazer esse conhecimento para todo mundo. O investidor institucional já está bem familiarizado, mas para a pessoa física tem um trabalho a fazer para dar luz a esse tipo de operação. Duvivier, da SL Tools, reforça que o investidor que tem em carteira ETFs que replicam os índices da bolsa (BOVB11, BOVA11 ou BOVV11), ao adicionar o dividendo esperado à taxa de aluguel, consegue ter um retorno em caixa entre 4,03% e 5,29% ao ano, além da eventual valorização.